UM EPISÓDIO DE ADOLESCÊNCIA
Teria dezassete anos quando assisti numa das salas
de cinema de Lisboa, à projecção do filme Luzes da Ribalta, de Charles Chaplin.
Foi, creio eu, ao longo de toda a minha vida, o filme mais angustiante a que
assisti e que mais marcas deixou na minha maneira de pensar e comportamento.
A história do filme, já nem está bem clara na minha
memória mas ainda me arrepia. É uma história de amor, de amizade, de salvação
mútua, entre uma mulher, quase menina e um homem, já em fim de vida útil, um
velho palhaço. Como já disse, só tinha dezassete anos, possivelmente a idade da
protagonista, a jovem bailarina do enredo do filme mas a personagem que eu
interiorizei foi a do palhaço, com idade já fora de prazo.
Quando se encontram, numa cena em que o velho impede
o suicidio da jovem, estão ambos desmotivados, desiludidos da vida, destruídos
e desacretidados nas suas profissões. O velho deixou de lutar, a maior parte do
tempo de vigília estava bêbado. Leva a rapariga para o seu tugúrio, cede-lhe a
sua cama, creio que dorme no chão aos seus pés. Trata-a e alimenta-a,
agasalha-a. Com o cuidado de a manter viva esquece-se de beber. Os seus
sentimentos um pelo outro vão ajudá-los a retomarem a auto-estima e ela volta
aos treinos e aos ensaios, às audições e exibições até atinguir um lugar de
destaque. Custou-me muito dar-lhe a bofetada,
à boca de cena, quando era a sua vez de entrar em palco e juntar-se ao
seu partenaire, para um pas de deux,
e ela tremia, histérica, sem conseguir dar um passo... dançou divinamente.
Ele abandonou o álcool, engendrou novos episódios
cómicos, voltou ao teatro e aos aplausos, ressurgira.
O
conflito entre a menina e o velho é horrível. Ele ama-a e ela ama-o ou confunde
amor com uma grande ternura e gratidão para com ele. Surge um terceiro
elemento, um jovem bailarino que também ama a rapariga. O palhaço vê todo o
drama que o espera: o seu envelhecimento inevitável e irreversível a par com a chagada
ao apogeu da menina tornada mulher. Sabe do rapaz e encoraja a bailarina a
seguir o seu coração e o seu destino, a esquecê-lo, a dedicar-se à sua arte e
ao novo amor. Torna-se mesmo um pouco desagradável para que ela se afaste dele
mas ela resiste embora se sinta cada vez
Mais
agradada pelo colega de trabalho praticamente da sua mesma idade.
Acompanhei,
compreendi, solidarizei-me com a atitude do palhaço e toda a sua angústia me
tomou também. Na vida real não havia outra solução a não ser abandonar a
cidade, fugir, desaparecer e eu concordadava. No filme o realizador (Charles
Chaplin) tem outra solução: Na apoteose da sua exibição no espectáculo, com os
plausos troando na plateia, o palhaço sofre um síncope e cai sentado na pele
esticada do seu tambor que se rompe, no fosso da orquestra, morto. Os dois
jovenbs estavam na sala assistindo e correm até ao fosso e bruçam-se sobre ele.
A bailarina beija-o na testa e é retirada pelos circunstantes. Afasta-se com o
seu rapaz ao som da escelente melodia
criada pelo Chaplin para este filme. O ecrã progressivamente escurece, surge a
palavra fim e continua na tela a
legendagem da ficha técnica.
Lembro-me
perfeitamente que chorava quase comnvulsamente com os olhos ainda fixos no ecrã
onde já não via nada. Durante semanas esta história não me saia da cabeça.
Tinha medo da noite de adormecer. Tinha pesadelos.
Esta
história apanhou-me em cheio numa paixão por uma catequista da Paróquia do
Campo Grande, em Lisboa. Era ela a “Pitucha”, um pouco mais velha do que eu.
Preteriu-me a um ex-seminarista que por lá andava... Durante aguns anos tive a
cisma das mulheres mais velhas do que eu, incluindo algumas professoras
particularmente belas e leccionando Português (as matemáticas e cientistas não
exerciam fascínio nenhum sobre mim). Quanto fui às sortes, como se chamava
naquele tempo, à ida dos mancebos à inspecção para a futura encorporação no
Seviço Militar Obrigatório e durante o tempo todo que estive na tropa, namorei
apaixonadamente uma caixeira de loja, na Baixa Lisboeta, casada, quanrenta anos,
praticamente da idade da minha mãe.
Depois
passou-me.
Mas
porque me lembrei eu disto agora? Vocês não têm nada com isso mas podem crer,
que há cerca de um ano, ano e meio, eu tive uma paixão por uma mulher que tinha
idade para ser minha filha, que durou até há bem pouco tempo e teve os mesmo
passos deste filme. É preciso sabermos retirarmo-nos para que os outros possam
viver as suas vidas.
LAUDATE
DOMINUM.
https://youtu.be/qE0BjK2kOkA
Labels: Amor, idoneidade, Luzes da Ribalta, paixão, Pombal, renúncia, solidariedade
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