A Menina do Rosto Cor de Porcelana.
Fernand Léger, Femme en Bleu, 1912 |
Não lhe falei, portanto, mas não tive dúvidas que era ela porque estava acompanhada pelos pais, camponeses a poucos quilómetros de Pombal, com os quais falei muitas vezes, nos dois anos em que ela e a irmã foram minhas alunas.
Sentei-me dentro do carro, onde coloquei a senha do estacionamento e fiquei a olhá-la e a pensar. Ela deixou os pais no passeio junto ao muro do hospital e atravessou a rua para colocar uns volumes no banco traseiro de um automóvel estacionado no outro sentido da faixa de rodagem. Pude apreciá-la durante uns minutos. Estruturalmente estava lá tudo. Alta, direita, elegante, vestida de azul azul, o rosto voluntarioso e bonito. O cabelo negro, como sempre atado atrás como se fosse o rabo de um cavalo. Os ombros estreitos, a anca larga, a cintura apertada, as pernas longas e torneadas. Uns sapatos pretos vulgaríssimos, de meio salto, sapatos de trazer com se costuma chamar. Havia uma discreta sensualidade nos seus gestos e movimentos, nada de espampanante. Desde os longínquos anos oitenta, o rosto escureceu, tem uma cor trigueira como se há muito tempo estivesse ao sol e aquela cor leitosa, rosada como o aljôfar, perdida eternamente. Tem rugas de expressão em todo a cara e uma cor de coiro curtido que não a favorece nada. Foi nisto que ela se transformou. (Ainda bem que não me reconheceu, as marcas do tempo no meu corpo iriam desencantá-la ainda mais a ela.) Os glúteos parecem-me firmes e ondulam suavemente enquanto caminha. Gostei de a ver. Já não é, mas continua a ser, a minha menina da cara de porcelana.