SUPOSTO DIÁRIO
Nas cartas à directora, uma rubrica a que dou bastante atenção diariamente no Público, li hoje, um apontamento muito interessante de um leitor da Cova da Piedade, ALMADA.
O final da sua carta foca um assunto que desde os bancos da escola me perturba:
«Quem escreve a história constrói a realidade. Afinal, até que ponto é a realidade autêntica?»
Já conhecíamos a verdade da História escrita pelos vencedores. Os perdedores, os derrotados nunca tiveram voz para contarem a sua versão dos acontecimentos. Umas vezes porque os aniquilaram fisicamente, mataram-nos; outras porque lhes é negado o acesso a qualquer meio de comunicação, ou penalizados de variadíssimas maneiras se emitirem uma opinião diferente da oficialmente difundida.
Agora apareceram os peritos, quase sempre ligados a grandes empreendimentos comerciais ou industrias, afiançando factos e obras. Como saber se o seu aval não é só propaganda, destinada a manipular os mercados? O dinheiro tornou-se critério de avaliação de elites que a maior parte das vezes não têm nada de interesses culturais, apenas desejam lucrar, tornar as artes e as letras formas mercantis. Estou farto de mercenários no exército, na política, na ciência, na cultura. Até a comezinha educação geral e medicina geral se tornaram mercado, onde os mercenários cobram direitos.
« Autenticidade
Aqui há dias saiu a notícia sobre a descoberta de duas esculturas em bronze atribuídas a Miguel Ângelo Buonarroti, o celebérrimo escultor renascentista que foi imortalizado por ter pintado o tecto da Capela Sistina, em Roma. Apesar dos indícios que apontam Miguel Ângelo como mentor da criação das referidas esculturas, a dúvida mantém-se. Agora surge nova notícia, desta vez sobre a recuperação de uma pintura atribuída a Leonardo Da Vinci. Em ambos os casos o que me rói a curiosidade é imaginar o que rola dentro da cabeça dos sábios historiadores de arte que têm o poder de declarar, ou não, a autenticidade das peças. Basta uma palavra destes senhores (ou senhoras) para que aquele pedaço de tela (ou de bronze) passe a valer uma fortuna incalculável. Que tipo de sensações andarão aos saltos no coração e dentro das cabeças destes homens (ou mulheres)? Quantas obras se perderam (e continuam a perder), quantos artistas geniais foram (e são) ignorados? Quem escreve a História constrói a realidade. Afinal, até que ponto é a realidade autêntica?
Rui Silvares, Cova da Piedade»